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Monólogo de Eldorado

Por Walmari Prata
(Publicado em O Liberal, de 10/04/2006)

Em junho de 1996, eu te perguntava: por que me culpas?

Em nenhum momento desejei os efeitos; buscava defender teus direitos de ir-e-vir, teu patrimônio; na realidade, não precisava ninguém me mandar fazer, a intervenção era e é obrigação constitucional; também para isto me criaste: intervir.

Perguntei também: por que me culpas?

Fui em teu socorro defender-te de sem-terra e principalmente de pseudo sem-terra, que te saqueavam, te aprisionavam, não te deixavam seguir. Fui como estava, sem meios, descoberta, mas fui, precisavas de mim. Acreditei no respeito às Instituições, no temor da força; fui surpreendida, atacaram-me, apedrejaram-me, alvejaram-me, instintivamente reagi, a princípio como força. Depois, a emoção, o medo, o instinto de preservação fizeram parte de meu ser. Agi como células isoladas, deixaram de ser força.

Antes de me julgarem, já havias me sentenciado, mesmo na hipótese da condenação jurídica. Observa que será julgada uma falange do meu ser. Como podes generalizar?

- Continuei te perguntando: por que me culpas?

- Procuraste ver a causa de tudo isso e de muito mais?

- Observaste que eu atuo nos efeitos, e não nas causas?

O raciocínio lógico nos leva a acreditar que as instituições governamentais, ao deixarem de propiciar as condições básicas para que o cidadão consiga a felicidade própria e de sua família, na ocasião em que lhes dificulta a habitação, saúde, educação e o trabalho, e na ocasião em que permitem escândalos financeiros impunes; o perambular de crianças, velhos e doentes a dormir em quiosques ou marquises; presídios que não reabilitam e o latifúndio improdutivo ajudam a transformar o cidadão em delinqüente, que acaba em confronto comigo. Nesta ocasião, vocês (sociedade) esperam que sejamos psicólogos, médicos, assistentes sociais, comunicólogos, negociadores etc.

Somos apenas parte de uma instituição e sofremos as mesmas influências do meio que todo cidadão sofre.

- Antes de eu (instituição) intervir, alguém ou alguma outra instituição já falhou.

- Repetidamente te perguntei: por que me culpas?

- Eu represento vocês, sou um espelho do que vocês são, sou formada por vocês.

Em minhas hostes existem filhos de governadores, irmãos de deputados, filhos de juizes e desembargadores, filhos de operários, advogados, católicos, umbandistas, gente que mora bem, muita gente que mora mal, gente ruim e muita gente boa.

Também buscamos a felicidade e temos as mesmas necessidades e dificuldades de você, comunidade amiga. Somos você (comunidade), adestrada em segurança, a serviço de todos nós. Cada comunidade tem a instituição que merece: mansa se for mansa, educada se for educada, valente se for valente. Viemos de vocês.

Na realidade, precisamos urgente de uma reestruturação geral, a começar pela família, que, desestruturada por diversos fatores, não consegue dar aos seus membros o embasamento formador do caráter e personalidade, propiciando futuros homens, formadores de novas famílias, sem o conhecimento dos preceitos legais que norteiam uma sociedade sadia.

E, finalmente, ainda te perguntei: por que me culpas?

- Sempre que me chamas, bem ou mal, vou em teu socorro.

- Faço o que posso e atuo com o que tenho e sempre em teu benefício.

- Estou a te proteger quando peregrinas em teu ato de fé durante o Círio de Nazaré.

- Estou a te proteger quando vais ao campo, torcer com emoção para que teu time seja campeão.

- Estou a te proteger, quando de férias partes para Salinas, Mosqueiro ou Marudá, tudo para te agradar.

- Estou a te proteger quando anoitece e dormes, quando arranco de minhas veias o sangue milagroso e, como num ato de amor, ofereço a ti teu filho ou teu esposo.

- Não estou mais contigo porque sou pequena, e os meios são limitados para um Estado tão grande.

- Fique certa, parceira comunidade, que sofro por tuas necessidades, teus desejos, tuas aflições, tuas preocupações. Tudo o que te atinge também me atinge.

Eu sou a Polícia Militar do Estado, eu sou você. Por que me culpas?

A estas perguntas, ninguém até então dava as respostas. Entretanto, como parte da instituição e da comunidade, sabíamos e sentíamos a necessidade de alguém fazê-lo, era questão de tempo e sentimento, elas (respostas) teriam de vir de qualquer jeito. Hoje, antes de me mandarem agir, sempre se perguntam como vou, por que vou, por onde vou e outros questionamentos técnicos inerentes a toda a ação, bem diferentemente da ordem do CIAC no caso Eldorado.

Hoje, estou mais estruturada em equipamentos e uso de assessoramento técnico, necessário para ir em atendimento da sociedade ou da justiça. Fui reestruturada. Todos podem observar que os investimentos em segurança pública são diretamente proporcionais ao crescimento de uma comunidade desassistida pelo Poder Público.

Hoje, a sociedade se articula criando entidades como Avao, Grupo Semear e tantos outros, e o governo cria a Fábrica Esperança, restaurante popular e outros. Esta é a parte, o começo das respostas que estimulará outros a tomarem o mesmo caminho em benefício do menos assistido, dificultando assim o alçar de vôo do Falcão.

Muito ainda se precisa fazer em investimentos, mas hoje, com essas ações já implementadas e comuns ao governo e à sociedade, temos certeza de que o câncer social (violência) foi diagnosticado no nascedouro e o remédio agora é conhecido de todos. Precisamos nos unir para aplicá-lo.

Minha esposa é voluntária da Avao. Em sua camisa rósea, leio sempre uma mensagem que pode muito bem ser aproveitada por todos os que buscam combater no nascedouro a violência. Diz a mensagem: 'Quando todos se unem, a fé aumenta e a dor diminui'.

Walmari Prata Carvalho
Coronel da Polícia Militar do Estado
walmariprata@hotmail.com
Belém